OPINIÃO: aquilo que dava vida e sentido ao ecossistema se transformará em relíquias de um museu. Vestígios de seres repletos de vida que foram queimados vivos. Embora tenha seu valor educativo, é triste e mórbido. São, antes de mais nada, provas de governo genocida.
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Esqueletos de animais que morreram nas queimadas ocorridas no Pantanal no ano passado irão recompor parte do acervo do Museu Nacional, que pegou fogo em 2018. A doação foi feita pela Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal, que teve 93% de sua área incendiada, com a morte de centenas de animais.
O museu, por sua vez, perdeu mais de 400 espécies de mamíferos de diferentes regiões do mundo destinadas à exposição quando pegou fogo em 2018, alguns com mais de um século.
Por enquanto, são cerca de 200 ossadas doadas. A bióloga Cristina Cuiabália, gerente de Pesquisa e Meio Ambiente do Polo Socioambiental Sesc Pantanal, afirma que a parceria com o museu é antiga e, durante a tragédia pantaneira, os pesquisadores da instituição ajudaram nos trabalhos de mitigação. Desde setembro de 2020 é feito o diagnóstico do impacto causado à fauna da reserva.
"Houve duas tragédias e sem a conexão delas a sociedade jamais teria acesso a informações. Nunca vamos esquecê-las", afirma o biólogo Luiz Flamarion, que estuda o Pantanal desde 1999 e é pesquisador pelo Museu Nacional.
Em setembro de 2020, ainda durante as queimadas, mais de 30 pesquisadores do Museu Nacional começaram uma varredura na reserva, com registro e coleta de carcaças de animais mortos, como queixadas, jacarés e macacos-prego.
Só destas três espécies, mais de 20 mil indivíduos morreram. O estudo de propagação do incêndio, segundo Cristina, mostrou que a propagação do fogo dentro da reserva foi seis vezes mais lenta do que nas áreas externas, onde as queimadas foram iniciadas.
O trabalho dos brigadistas retardou o incêndio em algumas partes, dando mais chance para a fuga dos animais. Foram colocados 160 cochos, abastecidos por caminhão-pipa, e distribuídas 30 toneladas de frutas e ovos para alimentar bichos sobreviventes.
Algumas imagens chocam. Flamarion conta que em algumas áreas foram achadas amontoadas carcaças de cervo e antas, misturadas: "Foram encurralados pelo fogo, queimados juntos", disse.
Pequenos animais, quando sobrevivem a situação como essa, viram alvo de gaviões. Muitos não são diretamente atingidos pelas chamas, mas não resistem ao solo superquente e à temperatura alta, expostos ao sol. A vegetação é abrigo.
Dentro da reserva não foram achadas onças-pintadas ou pardas queimadas, por exemplo. Cristina acredita que elas são mais resilientes e versáteis na fuga, pois correm, pulam e nadam.
Câmeras flagram animais
Entre os esqueletos destinados ao Museu Nacional estão tamanduás-bandeira, antas, queixadas e catitus, por exemplo. Todas as espécies de mamíferos de porte — da cotia para cima — são importantes para o museu.
A regeneração das paisagens da RPPN já começou, mas só a natureza será capaz de determinar o ritmo. Para acelerar o processo, o Sesc Pantanal fez acordo com duas comunidades, de Barão do Melgaço e Poconé, para a formação de viveiros de muda, num trabalho que é, ao mesmo tempo, social e ambiental. Muitas das espécies vegetais não são encontradas no mercado, apenas na natureza. A partir de janeiro, com a estação ainda chuvosa, começam a ser plantadas na reserva espécies como Manduvi, usadas pelas araras-azuis nos ninhos.
Flamarion ressalta que a diferença entre as duas tragédias, do museu e do Pantanal, é que, na primeira, o que foi perdido é irrecuperável; já a natureza se regenera.
"Lá (no museu) se jogou fora grande parte da história do país, mas o poder de regeneração do Pantanal é grande, embora a gente nunca vá saber com exatidão o que se perdeu para sempre."
O monitoramento vai ajudar na prevenção e, com o apoio do Instituto Chico Mendes, estão sendo feitas queimadas controladas fora do período de seca, para evitar que o fogo atinja áreas mais vulneráveis e de difícil regeneração, caso as queimadas persistam na região.
Muitos animais retornaram à reserva e já há registros deles com filhotes, como onças-pardas e pintadas. Cerca de 20 armadilhas fotográficas estão montadas, e a meta é chegar a 120 equipamentos. Ao todo, 40 mil vídeos foram feitos. Ainda há, porém, poucos registros de primatas, uma das populações mais atingidas.
"Não é triste de andar ali, não é assim. Os organismos vivos se deslocam. O impacto foi monstruoso, mas ainda tem onças, queixadas e cotias com filhotes", diz o biólogo.
Fonte: Exame
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