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15 julho 2024

Após furacão, forma como flor é polinizada muda no Caribe


OPINIÃO:
 desastres naturais extremos causados pelas mudanças climáticas estão mudando a dinâmica da natureza de formas imprevisíveis. Isso já está acontecendo com os seres humanos também, mas somos arrogantes demais para assumir essa responsabilidade... 
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Por José Tadeu Arantes, da Agência Fapesp

A maioria das plantas com flores depende de animais para a polinização. Em regiões tropicais, quentes e úmidas, mais de 90% de todas as espécies vegetais contam com a polinização animal. Na ilha de Dominica, no Caribe, estabeleceu-se uma associação mutualista muito estreita entre duas espécies de plantas helicônia (Heliconia bihai e H. caribaea) e seu polinizador, o beija-flor-de-pescoço-roxo (Eulampis jugularis). A relação, de tão específica, era frequentemente citada como exemplo na literatura especializada.
Por isso, quando o furacão Maria (de categoria 5, a mais alta da escala Saffir-Simpson, com ventos sustentados de mais de 250 quilômetros por hora) devastou a região em 2017 e matou 75% de toda a população de beija-flores-de-pescoço-roxo, acreditou-se que as duas espécies de helicônia estavam condenadas à extinção.

No entanto, um estudo recém-divulgado no periódico Ner Phytologist mostrou que, surpreendentemente, outras espécies de pássaros passaram a polinizar as duas espécies vegetais mencionadas da região. O trabalho foi conduzido por uma colaboração internacional de pesquisadores, com importante participação do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado no campus de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“Em 2022, fizemos uma pesquisa bastante detalhada na região, analisando os tipos e as taxas de visitação de aves às flores de helicônia e a deposição de pólen. Os resultados mostraram mudanças drásticas: outras espécies de beija-flores e também o pássaro cambacica (Coereba flaveola) começaram a visitar e polinizar as flores de helicônia em taxas similares ou superiores às do Eulampis jugularis”, diz Fernando Gonçalves, pesquisador do CBioClima atualmente lotado no Bascompte's lab, da Universität Zürich (UZH), na Suíça.

“Nossa análise sugeriu que o declínio populacional do beija-flor-de-pescoço-roxo resultou na quebra da exclusão competitiva, permitindo que outras aves se tornassem polinizadores efetivos. A pesquisa também indicou que sistemas de polinização especializados podem se tornar generalizados após distúrbios naturais como furacões, oferecendo resiliência ao ecossistema”, prossegue o pesquisador.

Gonçalves informa que o levantamento foi feito capturando os pássaros próximos às helicônias por meio de “redes de neblina” (semelhante às redes de vôlei) e colhendo, com uma geleia especial, os polens eventualmente aderidos aos bicos e penas. Ao mesmo tempo, câmeras posicionadas em frente às plantas possibilitavam observar quais pássaros as estavam visitando. E a inspeção dos estigmas das flores após as visitas dos pássaros permitia verificar se havia polens aderidos e a conclusão da polinização.

“O Eulampis jugularis é muito territorialista e agressivo. Enquanto a população era grande, nenhuma outra espécie de pássaro podia se aproximar das helicônias. Mas, quando a população foi reduzida a apenas um quarto da original, já não havia indivíduos suficientes para impedir a chegada de outras espécies de beija-flores e também da cambacica. Esses novos polinizadores são muito generalistas, colhendo polens em vários tipos de plantas e também, no caso da cambacica, se alimentando de frutos”, explica Gonçalves.

Essa descoberta foi notável por dois motivos. Primeiro, porque se acreditava que somente o E. jugularis seria capaz de polinizar a H. bihai e a H. caribaea, porque a configuração das flores dessas duas espécies de helicônia corresponde ao tamanho e à curvatura específica do bico do beija-flor-de-pescoço-roxo. As fêmeas de E. jugularis, com bicos longos e curvados, são as principais polinizadoras da H. bihai, enquanto H. caribaea é polinizada tanto pelas fêmeas quanto pelos machos, de bicos mais curtos e retos.

Em segundo lugar – e isto é ainda mais importante – porque mostrou que o processo de extinção de espécies é mais complexo do que se imaginava. A devastação produzida pelo furacão Maria quebrou a relação de coadaptação e codependência entre as duas espécies, possibilitando que outros indivíduos viessem a ocupar o papel de espécies que diminuíram. A trajetória evolutiva flutua, não é tão restrita quanto se pensava. Isto é especialmente relevante no atual contexto de crise climática, com aumento da frequência de eventos extremos (grandes secas, chuvas torrenciais, alagamentos, furacões etc.) e extinção acelerada de espécies.

“Acreditamos que, se não ocorrerem outras destruições em massa em Dominica, daqui a uns 15 ou 20 anos, as duas espécies de helicônia e o beija-flor-de-pescoço-roxo voltarão a estabelecer sua relação exclusivista. Isso porque a população do E. jugularis terá crescido e seus indivíduos passarão a defender o território”, afirma Gonçalves. Ele conta que novas pesquisas já estão sendo realizadas por sua equipe na área, com vista a confirmar ou não essa hipótese. O grupo pretende avaliar também os impactos de fenômenos naturais sobre o comportamento evolutivo de outras espécies. “Estamos monitorando outros furacões na região para voltar lá e entender as consequências”, conclui o pesquisador.

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