Gente do Céu, a advogada Vanice Orlandi não é a toa que é minha guru! Lendo este artigo publicado no site da UIPA, aprendemos demais sobre as questões negativas ligadas à fauna silvestre.... Quem sabe, sabe.... Axé, minha mestra.....
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Ao apreciar uma solicitação de guarda doméstica de um psitacídeo, espécie a qual pertencem os papagaios, araras e periquitos, o Ibama autorizou a guarda requerida, estendendo e generalizando sua deliberação a casos similares, por meio de uma orientação geral, expressa em Despacho de 20 de novembro de 2019, em que reconheceu o direito à guarda doméstica, desde que o interessado esteja de posse do psitacídeo há pelo menos oito anos e inexistam sinais de maus-tratos, vedando, nessa situação, a apreensão e o encaminhamento daquela espécie aos Cetas- Centros de Triagem de Animais Silvestres.
Em desacordo com a legislação ambiental e os princípios que informam a matéria, o IBAMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis determinou que “somente se considerará ilícita a posse de animal silvestre (psitacídeos) quando não houver posse prolongada ou existir maus-tratos.”
Dessa forma, animais capturados há menos de oito anos, ou recém vitimados pela ação do tráfico de fauna, serão apresentados como passíveis de estarem dentro dos parâmetros instituídos pelo Ibama, o que evitará a sua apreensão.
Como é intuitivo, a determinação anistia a guarda ilegal de silvestres, o que desperta a cobiça por esses animais, elevando a sua ilegal retirada da natureza para fins de tráfico. Não é difícil deduzir que o mercado negro de fauna será incrementado e fortalecido com a aplicação da orientação geral expedida.
A imposição de sofrimento é inerente à colocação de um psitacídeo em cativeiro, o que torna impossível cumprir o requisito instituído pelo Ibama para considerar lícita a posse desse animal silvestre, no tocante à inexistência de maus-tratos.
Em vez de reprimir atividades danosas à fauna, como caberia a um órgão ambiental, o Ibama atua em seu desfavor, atentando não só contra princípios protetivos básicos da fauna, mas autorizando prática que incide na norma punitiva do artigo 32 da Lei Federal nº 9.605/98, relativa a maus-tratos a animais, além de desconstituir o tipo penal traçado pelo artigo 29 da mesma lei.
Chamou a atenção da Imprensa o fato de ser a requerente da autorização a esposa de um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, tema abordado por vários órgãos da Imprensa, incluindo a “Folha de São Paulo”, que publicou a matéria intitulada “Para legalizar papagaio de ministro do STJ, presidente do Ibama flexibiliza lei ambiental.”
DA ORIENTAÇÃO GERAL
A Lei Federal nº 13.655, de 25 de abril de 2018, acresceu novos dispositivos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro- LINDB- Decreto-Lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942, com a finalidade de inserir “disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público”.
Dentre os novos dispositivos está o que introduziu a chamada “orientação geral”, instituto que dá margem às mais diversas interpretações, mesmo após a aprovação do regulamento da nova lei, que praticamente restringiu-se a reproduzir o texto da lei por ele regulamentada, enunciando, no parágrafo único do artigo 24, que “consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.”
Por tratar-se de tema muito recente, pouco se sabe sobre a instrumentalização dessa ferramenta, que editada com a finalidade de conferir uniformidade à aplicação do Direito Público, paradoxalmente, vem suscitando muitas divergências e incertezas.
Criou-se a estranha situação de ter que se interpretar a lei que guia a interpretação das demais, o que não pode conduzir à segurança jurídica. Ao contrário, dependendo da forma como forem empregados os dispositivos de conteúdo mal esclarecido, a insegurança será ampliada, resultado oposto ao pretendido, com o agravante de servir de escudo para o descumprimento de tarefas impostas à Administração Pública.
Por menos que se conhecesse sobre o novo instituto da “orientação geral”, supõe-se que jamais pudesse ser emitido contra texto expresso de lei que tipificou a conduta como crime ambiental; que não pudesse anistiar os autores da infração, nem pudesse obstar a fiscalização da prática. Presume-se que não pudesse ser proferido para uniformizar a interpretação de uma norma em absoluta desconformidade com as finalidades institucionais do órgão emitente.
Mas tais deduções lógicas que decorrem do texto legal, ao que parece, não foram observadas pelo Ibama que, em vez de expedir orientação geral, de efeito vinculante, que garanta a aplicação da norma protetiva ambiental, bem ao contrário disso, estabeleceu recomendação para descumpri-la, impedindo que a vigente lei protetiva da fauna e do meio ambiente seja cumprida.
A defesa e a proteção do meio ambiente são deveres impostos ao Poder Público pela Constituição da República, que em seu artigo 225, §1º, inciso VII, traça, de forma expressa, as diretivas que devem nortear essa proteção no tocante à fauna. Por imposição constitucional, o Poder Público deve prover o manejo ecológico das espécies e vedar as práticas que coloquem em risco sua função ecológica; provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade
Também a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, em seu artigo 3º, declara que “constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado…”
Como se vê, a proteção, a conservação e a defesa do meio ambiente são atribuições atinentes a todos os entes federados, que no caso da União, por óbvio, devem ser desempenhadas, sobretudo, pelo Ministério do Meio Ambiente. Tais atribuições, vale frisar, incluem a defesa da fauna e o cumprimento das diretivas, expressamente, impostas por norma constitucional.
DA NORMA PENAL EM BRANCO
Como autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, deveria o Ibama atuar para a defesa da fauna e o cumprimento das diretivas, expressamente, impostas por norma constitucional. Mas em oposição às suas atribuições legais e constitucionais, o Ibama firmou recomendação geral que anistia a guarda ilegal de aves silvestres e ainda autoriza, de forma expressa, atividade danosa à fauna, que até então era tipificada como crime ambiental pelo artigo 29 da Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, relativa à conduta de guardar, ou ter em cativeiro ou em depósito espécime da fauna silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.
A presença do elemento normativo do tipo “sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”, torna atípica a conduta de matar, perseguir, apanhar espécimes da fauna silvestre, se houver permissão, licença ou autorização do órgão competente, permissão ora concedida pelo Ibama no tocante aos psitacídeos, por meio da orientação geral expedida.
Como norma penal em branco, o artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais traz um preceito de conteúdo incompleto, que deve ser complementado por um ato normativo, por meio de regulamentos, portarias, resoluções, decretos et cetera. Conclui-se, portanto, que o Ibama tornou lícita a conduta até então tipificada como crime ambiental pela Lei Federal nº 9.605/98, atentando contra suas próprias atribuições institucionais, de natureza protetiva da fauna e do meio ambiente.
Argumentou o Ibama que estaria adotando o posicionamento admitido por nossos tribunais superiores, de forma mansa e pacífica, afirmação questionável, por advir do instituto que deveria honrar não só as suas finalidades institucionais estabelecidas por lei, mas a supremacia do interesse público da proteção ambiental, que deve prevalecer sobre o interesse privado de quem deseja manter a guarda doméstica de silvestre de origem ilegal. Questionável ainda por adotar o posicionamento de julgados que, além de se restringirem a satisfazer a caprichosa vontade do particular de manter a guarda doméstica de um silvestre de origem ilegal, ainda incidem no grave erro de não atentarem ao fato de que a existência de sofrimento é inerente à manutenção dessa espécie em cativeiro.
Note-se que o Ibama autorizou a extensão da guarda doméstica para outros casos, alegando, no item 49 de seu despacho, ser “anti-isonômico assegurar direitos apenas à parcela da população que logra acesso ao Judiciário, deixando à deriva todos os demais cidadãos que compartilham da mesma situação jurídica por não acessar a via judicial”.
Como se vê, o Ibama não só está agindo em defesa dos particulares que mantêm a reprovável guarda doméstica de silvestres, de origem ilegal, mas também está dispensando sua especial atenção à parcela da população menos favorecida que não teria acesso à via judicial. E para tal, invoca o artigo 30 da LINDB, sustentando ser o seu dever atuar para a segurança jurídica na aplicação das normas.
Não há justificativa possível para que se admita que um órgão público atue de forma contrária aos seus deveres institucionais, chegando a firmar recomendação permissiva de prática incidente em lei penal ambiental, e ainda o faça sob a alegação de estar agindo em defesa da segurança jurídica!
São as instituições públicas que devem repelir o arbítrio. Sem o respeito às normas, sem moralidade e imparcialidade, não existe Estado de Direito. Sem a observância desses mínimos critérios, não existe segurança jurídica.
Da leitura das decisões judiciais favoráveis à guarda doméstica de psitacídeos, logo se depreende que os julgadores estão se valendo de critérios leigos, e não técnicos para avaliar se a ave está, ou não, sofrendo maus-tratos. Isso porque impor ao psitacídeo a vida em cativeiro já constitui crueldade, por absoluta impossibilidade de lhe atender as necessidades mais básicas. Como órgão técnico, ao Ibama caberia bater-se contra tais julgados, e não convertê-los em orientação geral.
A existência de um posicionamento judicial equivocado que, por absoluto desconhecimento técnico tolera uma prática inaceitável como a da guarda doméstica de psitacídeos, deveria ser um estímulo a mais para que o Ibama desempenhe suas políticas, inclusive educacionais, de forma mais eficiente, como inclusive impõe o princípio da eficiência, estabelecido pelo artigo 37 da Constituição da República.
DO REQUISITO TEMPORAL IMPOSTO PELA ORIENTAÇÃO GERAL
Para a concessão da guarda doméstica de animal silvestre, a orientação geral em comento estipulou a existência de dois requisitos: a ausência de maus-tratos e a posse prolongada que, para o Ibama, seria aquela verificada por um período mínimo de oito anos. Ambos os requisitos são impossíveis de serem satisfeitos.
Quanto à posse por um período mínimo de oito anos, é forçoso reconhecer que não se tem meios de aferir há quanto tempo um animal silvestre estaria, de fato, em cativeiro. Como é intuitivo, animais capturados há menos de oito anos, ou recém vitimados pela ação do tráfico de fauna, serão apresentados como passíveis de estarem dentro dos parâmetros instituídos pela orientação geral, o que evitará a sua apreensão, sobretudo no caso de papagaios, cuja distinção é improvável com base em sua aparência.
Não se sabe por qual motivo o Ibama teria estipulado o período de 8 (oito) anos como tempo de cativeiro para que um psitacídeo de origem ilegal (não nascido em criadouro comercial legalizado) seja, definitivamente, destinado a viver em cativeiro doméstico.
Igualmente não se sabe por qual motivo o Ibama priva da possibilidade da reabilitação e da reintrodução na natureza uma ave silvestre, pelo só fato de já estar ela em cativeiro há oito anos, uma vez que são conhecidos os vários trabalhos de reabilitação que reintroduziram papagaios na natureza, mesmo depois de terem vivido, por décadas, em cativeiro. Muitos dos papagaios que viviam aprisionados, hoje, encontram-se em vida livre, cumprindo assim suas funções ecológicas.
Condena-se ao cativeiro perpétuo um animal silvestre, pelo só fato de já estar sendo vitimado, há oito anos, por tal situação, como se o próprio ilícito reparasse a ilicitude.
Convém frisar que uma prática não se torna lícita por mera disposição legal e menos ainda por meio da edição de uma orientação geral. Despachos, resoluções e normas jurídicas não têm a propriedade de alterar a natureza dos fatos. Práticas danosas não perdem sua natureza lesiva porque foram recomendadas por um órgão público.
DA AUSÊNCIA DE MAUS-TRATOS: REQUISITO DE IMPOSSÍVEL VERIFICAÇÃO EM CATIVEIRO
Quanto ao requisito relativo à ausência de maus-tratos, estranha-se o fato de um órgão ambiental desconsiderar o que há de mais elementar nessa matéria: a imposição de sofrimento e a existência de maus-tratos que são inerentes à manutenção de um silvestre em cativeiro.
Existem princípios básicos que pautam as mais elementares regras para o que se pode considerar como boas práticas no trato com os animais. Nesse campo, as chamadas “cinco liberdades” tornaram-se uma ferramenta mundialmente reconhecida para aferir a existência, ou não, de bem-estar animal, e portanto, de ocorrência, ou não, de maus-tratos. E a expressão do comportamento natural da espécie é uma das cinco liberdades de que todo animal deve dispor, estando em sofrimento aquele não possa expressar os comportamentos naturais de sua espécie.
Para os psitacídeos é impossível vivenciar seus comportamentos naturais em cativeiro. Por maior que seja a atenção dispensada por parte de quem lhe detém a guarda, não há meios possíveis de aliviar o sofrimento de uma ave impedida de exercer seus comportamentos naturais, condenada a viver aprisionada, privada de seu habitat natural e da companhia de outros da mesma espécie.
Todo e qualquer psitacídeo cativo está sendo alvo de maus-tratos, em virtude de todo sofrimento físico e psicológico que o cativeiro lhe impõe. Primeiro que tudo, é fundamental esclarecer que os silvestres não foram submetidos à domesticação, que é o processo pelo qual certas espécies de animais são selecionadas da natureza e acabam se adaptando a um ambiente que lhes foi criado por humanos. Por não terem sido domesticados, ainda que nascidos em cativeiro, os silvestres conservam as mesmas necessidades e comportamentos dos selvagens.
E são muitas essas necessidades e específicas exigências, inclusive nutricionais, sendo todas elas impossíveis de serem satisfeitas em cativeiro e, sobretudo desconhecidas da população em geral.
Devido à sua natureza fortemente gregária, os psitacídeos precisam viver em bando e conviver com outros da mesma espécie. Muito sociáveis, interagem o tempo todo com os demais, comunicando-se com os membros do grupo, que estão próximos, ou não, por meio de intensa vocalização. Ao final do dia, centenas deles encontram-se em árvores de copas frondosas, onde pernoitam .Dedicam-se a compor seus ninhos e a cuidar de suas crias para que aprendam a voar e a localizar o alimento, até que se tornem independentes. Não é difícil deduzir que sofre, e muito, uma ave tão gregária e sociável que, transformada em bicho de estimação, é condenada ao isolamento e à privação de suas atividades naturais, vivendo sozinha e confinada em um poleiro ou em uma mísera gaiola.
Na natureza, essas aves percorrem imensas distâncias que incluem muitas dezenas de quilômetros por dia. Aprisionadas, essas aves não podem alçar voo, o que, por si só, já lhes representa um sofrimento intenso.
Em seu ambiente natural, os papagaios consomem a metade de seu tempo na busca por alimento. No cativeiro, não enfrentam esse desafio, uma vez que o alimento já se encontra disponível.
Também não se entretêm com a busca por parceiros e por abrigo. Essa falta de estimulação física e mental conduz a anomalias comportamentais e distúrbios neurológicos.
E toda a sua miserável vida, ceifada pelo cativeiro, se dá em gaiolas pequenas, onde o papagaio vive privado de alimentação adequada e de atendimento veterinário especializado.
Inegável o fato de que a orientação geral despertará a cobiça por silvestres e, consequentemente o tráfico, atividade cruel por si só. Filhotes são extraídos de seus ninhos com poucos dias de vida, ainda sem pelos e com olhos fechados e acondicionados, aos montes, em caixas minúsculas, onde não dispõem de água, de alimento e de espaço. Muitos não resistem e vão a óbito antes mesmo de serem entregues para abastecer o tráfico.
Para retirar os filhotes de seus ninhos, os agentes do tráfico abrem fendas no tronco das palmeiras, improvisam até escadas e em alguns casos chegam a derrubar o tronco da palmeira onde os papagaios fazem os ninhos. Isso prejudica até mesmo a reprodução do ano seguinte, já que essas aves sempre retornam ao mesmo local para fazer o ninho.
A falta de estimulação física e mental que permeia a vida em cativeiro eleva o sofrimento já causado pelo isolamento, conduzindo ao desenvolvimento de comportamentos anormais e distúrbios neurológicos como o de balançar a cabeça e o de andar de um lado para o outro, em sua gaiola.
Muitas aves chegam a arrancar suas penas em virtude do sofrimento que advém do isolamento e da reclusão. Desesperadas, passam a gritar, a se automutilar, e a destruir poleiros e gaiolas, na tentativa de amenizar o seu marasmo e todo o sofrimento de que são vítimas. Pesquisa veterinária revela que 82% dos veterinários mencionaram que o hábito de arrancar as penas seria o problema de comportamento mais comum em psitacídeos. No que pertine à alimentação dos papagaios em guarda doméstica, é preciso esclarecer que os populares desconhecem as específicas exigências de dieta dessa espécie, o que leva à desnutrição que corresponde a 90% de todos os problemas clínicos atendidos por veterinários de aves
E a longevidade dos psitacídeos é outro fator que deveria inviabilizar a possibilidade de tê-los sob guarda doméstica. Um papagaio ou uma arara, por exemplo, podem viver até 80 (oitenta) anos. A ave excederá, em muito, à vida daquele que o mantém em cativeiro, o que acaba por condená-la ao abandono.
DO RISCO DE EXTINÇÃO DO PAPAGAIO VERDADEIRO
Apesar de não constar da lista dos ameaçados de extinção, o papagaio-verdadeiro já não é encontrado em abundância na caatinga, seu habitat natural. Tendo em vista que a quantidade de animais registrada hoje é insuficiente para a recomposição de uma grande população na natureza, especialistas já consideram a extinção do papagaio verdadeiro como uma possibilidade muito próxima, conforme matéria intitulada “Sertão de Pernambuco abriga projeto para sobrevivência dos papagaios-verdadeiros”, publicada pela Folha de Pernambuco, em 26 de maio de 2018.
DA FALTA DE ESTRUTURA DOS CETAS
Os Cetas, Centros de Triagem de Animais Silvestres,são unidades responsáveis pelo manejo de fauna silvestre com finalidade de prestar serviço de recepção, identificação, marcação, triagem, avaliação, recuperação, reabilitação e destinação de animais silvestres provenientes de ação fiscalizatória, resgates ou entrega voluntária de particulares.
Interessante observar que o Ibama se vale da ineficiência dos Cetas que ele próprio gerencia para defender seu posicionamento firmado na orientação geral em questão.
Alega aquele instituto, no item 25 de seu despacho que “a reabilitação de papagaios e o consequente retorno à natureza, embora em muitos casos seja possível, é extremamente dificultosa nestes casos de longo cativeiro. Além disso, os Cetas do Ibama estão lotados destes animais sem condições de reabilitação na natureza ou para encaminhamento a criadouros e zoológicos, os quais também possuem grande quantidade de indivíduos destas espécies nos plantéis”
Esses animais possuem sim condições de reabilitação, conforme evidenciam vários trabalhos de reabilitação de papagaios que viveram, por décadas, em cativeiro, e conseguiram, com sucesso, retornar à natureza e viver em vida livre, cumprindo assim suas funções ecológicas. Ocorre que existe uma rede pequena de centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres (Cetas e Cras), que encontram-se lotados, desaparelhados, sem condições físicas e financeiras de atender à demanda. Em alguns deles, como no caso do Amazonas, não há condições nem para prover alimento aos animais.
A imprensa tem noticiado que o número de animais entregues espontaneamente e o número de resgates vêm aumentando a cada dia, o que aponta para a urgente necessidade de aumento no orçamento, no espaço e no número de funcionários nos Cetas. De fato, muitos dos que adquirem esses silvestres arrependem-se. Alguns os entregam voluntariamente, ao passo que outros simplesmente os soltam. Numerosos também são os casos de fuga.
Somente em 2014, os 23 (vinte e três) Cetas do Ibama espalhados pelo país receberam, por entrega voluntária da população, 294 (duzentos e noventa e quatro) papagaios verdadeiros. Foi a segunda espécie de ave mais deixada pelas pessoas nos centros. No mesmo ano, o papagaio-verdadeiro foi a espécie que teve o segundo maior número de óbitos entre as aves nos Cetas do Ibama em 2014, o que denuncia a ineficiência daquele Instituto para lidar com a questão, que só se agravará com a orientação geral firmada, uma vez que, vale repetir, a retirada ilegal de silvestres da natureza e o seu tráfico serão incrementados com a permissão nela contida.
É forçoso reconhecer que o Poder Público não dispõe de estrutura para fiscalizar as práticas que vem liberando e para suportar os encargos por elas gerados. Decorrem daí a lotação e as más condições em que hoje se encontram os Cetas.
Trata-se de mais uma ofensa a um dos princípios que devem nortear a Administração Pública, expresso no artigo 37 da Constituição da República. Conforme impõe o princípio da eficiência, o Poder Público deve buscar os meios disponíveis para obter o melhor resultado possível, visando sempre ao aperfeiçoamento do serviço público, o que não está ocorrendo em relação à problemática aqui exposta.
DA REABILITAÇÃO E DEVOLUÇÃO À NATUREZA DOS PAPAGAIOS CATIVOS
A já citada matéria da “Folha de Pernambuco” discorre sobre o projeto “Papagaio da Caatinga”, um dos programas de preservação da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) que, nos últimos seis anos, devolveu a liberdade para 289 (duzentos e oitenta e nove) papagaios, sendo 157 (cento e cinquenta e sete) em Salgueiro e os demais em Exu. Mesmo depois de terem sido mantidos em cativeiro por muito tempo, essas aves já são capazes de ganha o céu, voando em toda a sua plenitude.
O biólogo e coordenador do projeto Yuri Marinho Valença, responsável por gerir o Cetas Tangará, destacou o fato de que a reintrodução na natureza não representa um sofrimento, mas a redenção de uma ave cativa:“Ele terá, enfim, a oportunidade de viver em um lugar de onde nunca deveria ter saído: a natureza.”
Conforme matéria exibida pelo Jornal Nacional, em 14 de janeiro de 2020, uma campanha do Governo de Pernambuco está empenhando-se para devolver à natureza animais silvestres que viviam em residências. É o caso do papagaio Tandy que viveu por vinte anos com uma munícipe, que conscientizou-se de que, por maiores que fossem os seus esforços, o animal não estava bem, nem feliz, vivendo em cativeiro. Esse também é o caso do papagaio Frederico, que depois de 25 (vinte e cinco) anos, foi entregue, espontaneamente, por sua guardiã.
Segundo a reportagem, a campanha do Governo de Pernambuco tem surtido efeitos. Assim, os papagaios Frederico e Tandy juntaram-se a outros três mil animais destinados, de forma também espontânea, ao Centro de triagem de Recife por aqueles que lhes detinham a guarda.
São aves, jabutis, iguanas e até o pássaro pintor verdadeiro, ameaçado de extinção. Cita a matéria que os papagaios estão entre as maiores vítimas do comércio ilegal de animais silvestres, já que sua beleza e sua inteligência atraem muitos compradores, situação que os condena a passar a maior parte da vida dentro de uma gaiola.
Segundo o biólogo Yuri Valença, entrevistado pelo Jornal Nacional, “cada papagaio retirado da natureza deixa de devolver para a natureza 900 (novecentos) papagaios” E acrescentou: Imagine se em cada casa, em cada lar, houvesse um papagaio… esses animais fazem falta para a natureza.”
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Erigida à categoria de princípio constitucional, a educação ambiental foi regulada pela Lei Federal nº 9.795, de 25 de abril de 1999, que, em seu artigo 1º, definiu a educação ambiental como o processo por meio do qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente. E ainda qualificou, em seu artigo 2º, a educação ambiental como “um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.”
Sendo a educação ambiental um direito de todos, o artigo 3º, inciso I, da lei federal citada incumbiu “ao Poder Público, nos termos dos art.s 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente.”
Em seu artigo 13, a lei em comento definiu por “educação ambiental não-formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente,” atribuindo às três esferas do Poder Público incentivar “a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente.” Referida lei foi regulamentada pelo Decreto Federal nº 4.281, de 25 de junho de 2002, que atribuiu a execução da política nacional de educação ambiental aos órgãos integrantes do SISNAMA, dentre os quais figura o IBAMA.
Pela legislação citada, resta evidente que ao Ibama também compete promover a educação ambiental, missão que colide com a expedição de orientação geral que incentiva uma prática que, por tudo quanto aqui se disse, possui natureza cruel, ilícita e danosa à fauna e ao meio ambiente.
Em vez de elucidar a coletividade sobre todo o sofrimento imposto aos psitacídeos pelo cativeiro e sobre o incremento que tal prática representa à sua retirada ilegal da natureza, ao revés, o Ibama incentiva essa atividade, prestando um desserviço à causa que tem o dever legal de defender.
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Vanice Teixeira Orlandi é advogada, presidente, desde 2005, da Uipa, União Internacional Protetora dos Animais, entidade centenária, fundada em 1895, responsável pela instituição do Movimento de Proteção Animal no país. Possui também formação em Psicologia, com especialização em Psicologia da Educação.
Fonte: UIPA
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