As pessoas estão começando a reconhecer o que falamos há milênios, né mesmo? será que nesta história toda nossos bichos começarão a ser poupados? Lembrando que os EUA matou recentemente milhares de porcos e frangos por causa dos frigoríficos sem condições de trabalho.....
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O “fascínio pela proteína animal” aumenta consideravelmente os riscos de o mundo enfrentar novas pandemias como a de Covid-19, e num espaço de tempo cada vez mais breve devido ao adensamento da população mundial, avalia o médico epidemiologista e gerontólogo Alexandre Kalache. Segundo ele, o excesso de rebanhos, sobretudo criações de aves – depositórios de muitos dos vírus que vêm sendo propagados nas últimas décadas –, faz com que a reincidência dos chamados “saltos do vírus” seja uma perspectiva “muito possível”.
“Há milhares de vírus que estão esperando a oportunidade que a covid teve, de passar do animal para o homem. Essa densidade demográfica e o fato de que estamos caminhando para uma população [mundial] de 10 bilhões de pessoas, com consumo maior da proteína animal, fazem com que essa possibilidade exista”, disse o ex-diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS), entrevistado da Live do Valor nesta sexta-feira (15).
Segundo Kalache, enquanto vacinas seguras e eficazes não forem descobertas e distribuídas em larga escala, medidas como distanciamento social, mesmo as mais drásticas, como o “lockdown”, deverão ser consideradas e praticadas principalmente para grupos populacionais mais vulneráveis.
“Vamos ter que reavaliar a forma como estamos vivendo”, disse Kalache. “É alarmante, mas é a realidade, principalmente para grupos de alto risco.”
O cientista contou que tem feito contato com colegas e autoridades de saúde de países como Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, com os quais ponderou as diferenças em relação ao Brasil no enfrentamento da pandemia. “[Nesses países] Estão falando com voz única, a mensagem está chegando às populações de forma uníssona, não há essa divisão, essa fragmentação [que se vê no Brasil]. As populações adotaram medidas de isolamento muito mais rígidas, de fechar fronteiras, se isolar, fazer lockdown”, pontuou Kalache.
O epidemiologista ponderou, contudo, que o cenário futuro para qualquer dessas nações é incerto, dados os desafios que o novo coronavírus impõe. “O Chile estava numa situação que parecia mais confortável, então relaxaram, voltaram ao trabalho. E agora, certamente na região metropolitana de Santiago, onde está um terço da população, as medidas estão muito mais drásticas.”
Segundo Kalache, é cedo para avaliar o que vai acontecer em dois, três meses. “Mas não há dúvida de que eles evitaram aquilo que não estamos evitando, o colapso da saúde em várias capitais.”
Sobre o cenário da pandemia em Nova York – o Estado de Nova York é o que registra o maior número de casos de covid-19 nos EUA, bem acima de 300 mil –, o especialista ressalta, ao voltar seu olhar para a cidade, que a desigualdade social é o principal indicador de agravamento. Você tem o país mais rico do mundo, a cidade mais rica do mundo, onde inclusive morei. Você vai para os grotões, Queens, Bronx, onde há situações lamentáveis, onde não existe um sistema universal de saúde.”
Para Kalache, essa realidade pode se transpor para o Brasil devido à vulnerabilidade de alguns estratos sociais. “Os EUA, onde se gasta mais com saúde do que em qualquer outro país, U$ 10 mil dólares per capita por ano, 18,5% de um PIB gigantesco, não oferece o mínimo de proteção a uma parcela grande da população”, disse ele, referindo-se principalmente à enorme população de imigrantes latinos e negros.
“Há quatro vezes mais negros morrendo [nos EUA] em termos proporcionais que a população branca”, ressaltou.
“É o que já estamos vendo no Brasil, com a população negra e periférica, a subnotificação nas favelas. Recebi, nesta sexta, um relato do Complexo do Alemão, que oficialmente tem quatro mortes. Mas de acordo com eles próprios monitorando, são pelo menos 12.”
Para Kalache, o mais grave é que muitos casos acabam subnotificados, com as pessoas enterradas sem sequer uma menção de síndrome respiratória. Na visão dele, esses fatores e o ritmo da escalada dos números no Brasil podem fazer com que o país se emparelhe com os Estados Unidos, já em julho, ou até ultrapasse o país norte-americano no total de mortes.
“Minha avaliação é sombria, primeiramente porque temos uma subnotificação imensa, não só de casos, mas também de mortes”, afirmou ele, que vem se debruçando sobre projeções de centros acadêmicos, como o Johns Hopkins, centro global de estudos em saúde de Baltimore (EUA), Universidade de Oxford e da Organização Mundial de Saúde (OMS). “É muito sério e pode vir a ser trágico num período muito curto”, frisou.
Ao abordar o alto índice de óbitos por covid-19 entre os mais jovens – dados oficiais apontam que perto de 30% dos infectados no Estado de São Paulo que vão a óbito têm menos de 60 anos –, o médico disse que, no Brasil, o novo coronavírus vem atingindo uma população que já vem doente. “E já vem doente pelas desigualdades sociais que conhecemos.”
Segundo ele, o fato de a população brasileira estar envelhecendo precocemente e mal no Brasil levou o vírus a “rejuvenescer”. Essa é umas das razões, do ponto de vista etário, para o descolamento do perfil da pandemia no país em relação aos cenários nas nações ricas.
O cientista ressaltou que já era esperada experiência diferente da vivida na Europa, em países como Itália, Espanha e França, que, apesar da composição demográfica muito diferente e mais velha, têm populações com acesso à promoção da saúde.
“O que é mais grave no Brasil é que, aos 45 ou 50 anos, você pode ter indicadores biológicos que equivaleriam aos de uma pessoa que tem 75 ou 80 na Itália. Isso porque temos as famosas comorbidades. Aqui você envelhece cedo, porque tem hipertensão, diabetes, obesidade, problemas respiratórios crônicos. Tudo isso começando muito mais cedo”, destacou Kalache. Segundo ele, isso faz com que o Brasil esteja “rejuvenescendo a covid”. Trinta por cento de mortes abaixo dos 60 anos apontam para uma situação bastante difícil”, pontuou.
Kalache lembrou ainda o impacto, nas políticas de saúde, do congelamento dos gastos sociais durante 20 anos, com a atenção primária sofrendo cortes substanciais. “E agora as autoridades, e o ministro que caiu (Luiz Henrique Mandetta] perceberam a importância do SUS para oferecermos uma resposta.”
Fonte: Valor
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