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19 julho 2021

A pandemia está sendo uma tragédia também para os animais


OPINIÃO:
esse artigo da professora e vereadora Duda Salabert é marcado pela lucidez e alerta para como a sobrevivência humana é totalmente dependente do respeito aos animais e à natureza.
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O abandono de animais agrava um problema urbano para o qual a maioria dos gestores e políticos viraram historicamente as costas e que é prejudicial para a saúde pública.

Vamos precisar de anos de estudos e de pesquisas para mensurar os resultados da pandemia da covid-19 na nossa sociedade. Infelizmente, ainda não vencemos a guerra contra o novo coronavírus e não sabemos quais serão as consequências econômicas, educacionais, psicológicas, afetivas e sociais que estão por vir. O que sabemos é que essa guerra até agora já matou, somente no Brasil, mais de meio milhão de pessoas – número trágico e revoltante. No texto de hoje, no entanto, não escreverei acerca dessa tragédia humanitária, abordarei sobre uma outra tragédia muito próxima e pouco comentada: os impactos da pandemia entre os animais não humanos.

De acordo com um levantamento da ONG Ampara Animal – envolvendo mais de 500 instituições e protetores independentes de todo o Brasil - o número de abandono de animais domésticos cresceu 70% durante a pandemia. Em Belo Horizonte, os registros de abandono aumentaram 91,2%, segundo números da prefeitura. Com o isolamento social, aumentaram também episódios envolvendo maus tratos e violência contra animais. Um número assustador foi apresentado pela Delegacia Eletrônica de Proteção Animal de São Paulo, a qual mostrou que houve crescimento de 81,5% nas denúncias de violência contra animais no primeiro semestre da pandemia em comparação ao mesmo período de 2019. Sabemos, contudo, que tais dados são apenas a ponta de um iceberg de violências, uma vez que a subnotificação é grande.

Esse quadro tem agravado um problema urbano para o qual a maioria dos gestores e políticos viraram historicamente as costas: o crescimento exponencial de animais em situação de rua e suas consequências para a saúde pública. Para se ter ideia do tamanho do problema, havia, antes da pandemia, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 30 milhões de cães e gatos nas ruas brasileiras. Tal número significa não apenas sofrimento para os animais, mas também doenças propagadas pelas cidades, entre elas a raiva, a leishmaniose, a esporotricose e diversas verminoses. As políticas públicas para enfrentar tal problema são ínfimas. Como consequência, as ONGs, lares temporários e casas de ativistas ficam cada vez mais lotadas de animais resgatados. Há que se destacar que ainda é tímida a cultura de adotar animais no país, um exemplo é o número trazido pelo Centro de Zoonoses de Belo Horizonte, o qual revela que quase 90% dos bichos resgatados pela prefeitura voltam às ruas pelo fato de não serem adotados no período de 20 dias.

Dessa forma, o abandono de animais – que já era um problema urbano – tem se transformado em uma epidemia devido à atual crise econômica. Embora tal prática configura-se como crime que prevê detenção de até cinco anos, há pouca fiscalização e pouco investimento do poder público no combate a essa prática criminosa. Na verdade, o problema é mais profundo e envolve questões culturais e educacionais, pois, infelizmente, há cristalizado no imaginário popular uma concepção antropocêntrica que coisifica animais, reduzindo-os a objeto, mercadoria, brinquedo descartável. Um exemplo comum são os coelhos que muitas famílias compram no período da páscoa para presentear as crianças, mas que são abandonados em parques dias depois pelo fato de a família não se adaptar com os hábitos do animal comprado.

Um outro problema envolvendo animais na pandemia está sendo causado pelo descarte inadequado de máscaras. No fim do ano passado foi encontrado em uma praia do litoral paulista um pinguim que morreu por ter ingerido uma máscara N95. Esse episódio serve para ilustrar um problema antigo que se intensificou, segundo alguns estudos, no atual contexto pandêmico: o descarte de lixo nos oceanos, o qual representa uma ameaça à fauna marinha. Para ampliar esse debate, há um estudo intitulado “Covid pollution: impact of covid-19 pandemic on global plastic waste footprint” (Poluição da covid: impacto da pandemia de covid-19 na pegada global de resíduos de plástico, em tradução livre) que traz a estimativa de que diariamente no planeta 3,4 bilhões de máscaras são descartadas, impactando, assim, diretamente o meio ambiente.

Outra questão que tem ampliado as preocupações socioambientais é o aumento considerável de resíduos plásticos gerados na pandemia. Com o isolamento social e aumento da frequência na utilização de serviços de entrega, o uso de sacolas, de embalagens, de copos e de talheres plásticos descartáveis cresceu absurdamente. Paralelo a essa realidade, diminuíram nas cidades os serviços de coleta seletiva. Tudo isso fez com que ampliasse o descarte inadequado, fato que afeta diretamente inúmeros animais na terra, no ar, na água salgada e na doce.

Diante desse cenário complexo e preocupante, urge resgatarmos o conceito de “saúde única”, o qual mostra que as saúdes humana, animal e ambiental estão interligadas e são interdependentes. Nesse sentido, o descaso com as saúdes animal ou ambiental traz impactos negativos à saúde humana. Lembremos que todas as últimas pandemias, inclusive a atual, foram de origem zoonótica, ou seja, de origem animal. Lembremos também que, segundo relatório da ONU, 70% das enfermidades surgidas desde a década de 1940 foram de origem animal. Sendo assim, o poder público e os políticos não podem, mesmo no atual momento de crise humanitária, preocupar-se somente com a saúde humana e deixar de lado questões ambientais. Não podemos cometer o erro de tratar uma pandemia reproduzindo a lógica que gerou e que pode gerar outras pandemias. Daí a urgência de pensarmos políticas públicas que fortaleçam em nossas cidades o conceito de “saúde única”. Tenho feito isso em meu mandato de vereadora em Belo Horizonte. Fica o convite para outros políticos e gestores.

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