OPINIÃO: explorados à exaustão e deixados à própria sorte. Esse é o resultado de uma sociedade utilitarista, que só cuida e só se preocupa com aquilo que lhes trará resultados, lucro e benefícios. Escravizados e abandonados. Qual será o futuro desses animais se o poder público não tomar uma uma atitude emergencial?
Avanços tecnológicos, modernização dos meios de produção e urbanização são alguns dos fatores apontados para tornar o jumento, símbolo da cultura nordestina, um animal anacrônico. Ambientalistas e defensores do animal afirmam que famílias rurais estão deixando de incluí-lo nas atividades domésticas e econômicas. Reflexo disso é o aumento do número de jumentos recolhidos nas estradas pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) este ano.
De janeiro a junho, 6.655 animais foram resgatados pelo órgão. Segundo o Detran, destes, cerca de 90% são jumentos. No mesmo período do ano passado, o número de jumentos deixados nas CEs foi 3.267, e, durante todo o ano de 2016, foram 6.537 abandonos.
O abandono se reflete muitas vezes em acidentes nas estradas. Nas vias federais que cruzam o Ceará, foram 140 acidentes com atropelamento de animais em 2016, ocasionando a morte de cinco pessoas, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal. Neste ano, até 26 de junho, foram 84 acidentes com 36 feridos e duas mortes de pessoas.
Historicamente, o animal faz parte da construção das cidades do sertão, utilizado como força de tração na construção de barragens, açudes e estradas, conta o jornalista e ambientalista Eduardo Aparício. Para ele, “a cultura nordestina tem uma dívida enorme com o jumento”.
'Jumento, nosso irmão'
O Detran dispõe de 14 caminhões para o resgate dos animais nas CEs. Após a captura, os jumentos são recolhidos para a fazenda Paula Rodrigues, em Santa Quitéria, a 222 km de Fortaleza. Atualmente, cerca de quatro mil jumentos vivem na área de 500 hectares, junto com cavalos, bovinos, caprinos e ovinos, estes doados ou resgatados de tempos em tempos, diferente dos jumentos, que permanecem no local até morrer.
Os animais recebem cuidados do único veterinário da fazenda, com ajuda de quatro funcionários. Segundo o administrador do local, Raimundo Torquato, a vida média de um jumento é de 15 anos, mas muitos chegam em situação precária ou atropelados e não sobrevivem muito tempo.
A base alimentar dos jumentos é o capim que cresce com a ajuda das chuvas. No início do ano, a ONG francesa One Voice suspendeu a suplementação alimentar de milho que ajudava o local, alegando falta de condições, afirma a presidente da União Internacional Protetora dos Animais (Uipa-CE), Geuza Leitão. De acordo com ela, há negociações com a ONG The Donkey Sanctuary, da Inglaterra.
Aparício elogia o trabalho realizado pelo Detran. “Enquanto em outros estados, como no Rio Grande do Norte, há discussões para resolver o problema vendendo o animal para a China, aqui nós temos o único órgão do país que recolhe e dá condições de sustento”. Outra proposta vinda do Rio Grande do Norte foi fornecer os animais para alimentação de presos. Mas também destaca melhorias necessárias na fazenda. “Precisa de manejo, mais tratadores, pessoas que trabalhem lá dentro, um reflorestamento, mais áreas de sombreamento para os jumentos brancos que não podem pegar sol, mais plantio de capim nas margens do açude”, enumera.
Santuário dos jumentos
O maior objetivo de Aparício e Geuza é transformar o lugar em uma espécie de santuário, com parque e museu do jumento, homenageando o cearense Padre Vieira (1919-2003). A ideia é antiga, mas falta investimento.
Hoje esquecido nos currais para onde são recolhidos após o resgate, o jumento já foi considerado um bem ou até parte da família no interior, destinado a auxiliar serviços domésticos, como carregar água, e de transporte. Padre Vieira, jornalista, escritor e político, tornou-se um dos principais admiradores e defensores do animal, evidenciando a causa na obra “Jumento, Nosso Irmão”, imortalizada pela inspiração de Luiz Gonzaga nos versos da música “Apologia ao Jumento”.
Segundo Aparício, o museu pode ser um modelo para iniciativas privadas e favorecer o aparecimento de atividades econômicas com apelo turístico na região. “Recebo e-mails de paulistas, de gente do Rio Grande do Sul, da Alemanha. Para eles, é um animal exótico. Seria um espaço para aliar proteção, conhecimento sobre o animal, área de pesquisas, reprodução assistida. E também de passeio, interação com a caatinga, de educação ambiental, onde o Detran fizesse campanhas sobre cuidados com animais”, explica.
Na fazenda, os jumentos ficam separados por sexo para controlar a reprodução. Geuza e Aparício são contra qualquer forma de comercialização do animal, inclusive a oferta de leite. Envolvido na causa há pelo menos cinco anos, Aparício lamenta a associação do jumento a adjetivo depreciativo, e o classifica como um animal “especialíssimo e inteligente”.
Fonte: G1
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