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Estratégia e instinto são características unânimes entre as espécies animais, afinal, é preciso sobreviver às dinâmicas da natureza. Fugir dos predadores é um desafio diário, por isso, alguns animais se beneficiam de um comportamento de defesa chamado tanatose: simular a própria morte quando uma ameaça se aproxima.
O método, conhecido também por imobilidade tônica, pode ser realizado de diferentes maneiras, a depender da situação. No caso dos insetos, a tanatose é estratégia comum entre várias espécies. “Ela pode durar de poucos minutos até mais de uma hora, dependendo de alguns fatores, como o tipo e intensidade do estímulo. Geralmente ele se dá pelo contato físico do predador com a presa”, explica Guilherme Limberger, biólogo especialista em insetos.
De acordo com o especialista o comportamento já foi registrado em insetos que vivem em ambiente terrestre (como besouros, bichos-pau, borboletas, mariposas, moscas, grilos, fomigas-leão, cigarras e percevejos) e em ambiente aquático, como as libélulas. “A tanatose também é praticada por insetos sociais, como as formigas, abelhas e as vespas”, diz.
Na maioria das ‘encenações’ os insetos ficam imóveis, com as pernas esticadas ou encolhidas, virados ‘de barriga pra cima’ e geralmente não respondem aos estímulos externos. “Durante o processo, os movimentos respiratórios - observados no abdome de algumas espécies, diminuem e a atuação de neuroquímicos, como a dopamina e octopamina, influenciam a duração desse comportamento”, detalha Guilherme, que destaca: em alguns casos o tempo de permanência em tanatose é um fator herdado e adaptativo. “Pesquisas com besouros evidenciam que a predação exerce constante pressão evolutiva sobre esse comportamento na natureza”.
Ao serem tocados, muitos insetos se soltam dos galhos e substratos onde estão fixados. Ao caírem, permanecem imóveis, confundindo o predador - que procura por movimentos da presa para a captura. É a última alternativa para sair com vida desse encontro
No jogo de encenações as mariposas se destacam graças à capacidade de detectar ultrassons emitidos pelos predadores. “Com isso, elas ‘congelam’ em pleno voo, caindo em queda livre em direção ao solo. É tudo ou nada”, reforça o biólogo.
Outra espécie que chama atenção pelas habilidades teatrais é o grilo, que com o corpo enrijecido faz com que os ‘espinhos’ das pernas machuquem a boca ou o bico do predador, dificultando que sejam engolidos.
Encenação como estratégia de caça
Ainda no grupo dos insetos, existem espécies que se aproveitam do comportamento não como defesa, mas como estratégia de predação. “Há registros de besouros que usam esse mecanismo para serem levados pelas formigas até o interior dos ninhos. Chegando lá eles se alimentam dos ovos e das larvas. Também existem algumas fêmeas de libélulas, borboletas e moscas que se fingem de mortas ao serem insistentemente perturbadas por machos em busca de cópula, que acabam desistindo do ‘encontro’”, destaca Guilherme.
“Com certeza ainda há muito para se descobrir sobre a tanatose nos insetos, principalmente em ambientes naturais que diferem das condições controladas em laboratório, onde normalmente as pesquisas são conduzidas. Hoje, o uso de tecnologias emergentes pode ajudar a resolver essas problemáticas para estudos em campo”
O pesquisador reforça que o comportamento nos insetos pode ser influenciado por vários fatores naturais, além das próprias características dos indivíduos como tamanho, fase da vida, idade, sexo, condição nutricional e reprodutiva. “Um exemplo relativo à influência da idade neste comportamento foi observado com as formigas-de-fogo (Solenopsis invicta), nativas da América do Sul, em que as operárias jovens (com exoesqueleto menos rígido) se “fingem de mortas” quando confrontadas por operárias de formigueiros vizinhos, aumentando as chances de sobrevivência. Em contrapartida, formigas mais velhas e com exoesqueleto rígido são mais agressivas durante o encontro, aumentando a mortalidade destes indivíduos”, completa.
Entre répteis e anfíbios o comportamento de defesa também é registrado. “A perereca-macaco (Pithecopus nordestinus), comum principalmente na Caatinga e Mata Atlântica, realiza a tanatose. As cobras-d'água também podem se defender fingindo a própria morte. Fora do País existem serpentes que viram de barriga pra cima e colocam a língua pra fora", conta o herpetólogo Willianilson Pessoa, que destaca a estratégia de alguns répteis. "Algumas cobras realizam a tanatose depois de serem capturadas pelo predador. É a última tentativa de tentar enganá-lo e fugir", diz.
"Não existem estudos que comprovem quantas espécies de cada grupo realizam a tanatose, até porque, não é um comportamento típico de uma espécie, ou seja, não são todos os indivíduos que necessariamente fazem. É um comportamento de último caso, muitas vezes os animais preferem correr ou enfrentar o predador", detalha.
Perereca faz encenação digna de 'Oscar' para escapar de predador
De acordo com o especialista, espécies de sangue frio, como as cobras e os anfíbios, têm mais facilidade na "atuação". "Aguentam ficar mais tempo sem respirar, com o metabolismo mais baixo conseguem deixar a temperatura do corpo igual a do ambiente. Já os animais de sangue quente, como aves e mamíferos, têm mais dificuldade. Algumas serpentes são capazes de detectar calor, vibração e respiração da presa, inviabilizando a função da tanatose como estratégia de fuga", finaliza Pessoa.
Raridade
Entre os mamíferos, a tanatose é um comportamento pouco conhecido pela ciência. “Não sabemos se é frequente ou não porque depende de ser observado na natureza, espontaneamente e por sorte, e pode ser difícil induzir em condições experimentais, além dos problemas éticos desse processo. De todas as formas, o mamífero mais conhecido por realizar tanatose é o gambá da Virgínia, um marsupial que ocorre do Sul do Canadá até o México”, explica o biólogo especialista em mamíferos, Diego Astúa.
“Nessa caso é considerado realmente tanatose e não somente imobilidade porque inclui alterações fisiológicas. Há diminuição dos batimentos cardíacos, da frequência de respiração, a boca fica aberta e a língua caída para fora (como fica um animal morto), os músculos se contraem deixando o corpo rígido e o rabo se enrola. O comportamento muitas vezes é acompanhado de liberação de urina , fezes ou do produto das glândulas paracloacais (que tem um cheiro que pode se assemelhar a carne em decomposição), mas mesmo nesse estado ele permanece perfeitamente consciente”, detalha o pesquisador, que reforça que a tanatose ocorre em último caso, normalmente induzida por contato. “Antes do contato efetivo, eles preferem fugir ou – se acuados; rosnar, mostrar os dentes e até tentar morder”.
De acordo com Diego, há relatos de comportamentos similares em outras espécies de gambás, mas os animais não realizam a tanatose regularmente quando estão ameaçados. “Há também relatos de imobilidade em porquinhos da Índia ou coelhos em condições experimentais, mas, no geral, é um comportamento muito mais raro em mamíferos que em insetos ou em alguns repteis, e normalmente se resume a imobilidade”, finaliza.
Entre as aves o comportamento também é raro, uma vez que fugir de um predador é mais eficiente nesses casos. Espécies como joão-bobo e rapazinho-dos-velhos por vezes se aproveitam de uma estratégia pós predação. "Eles ficam imóveis não para que o predador desista da captura, mas justamente porque ele fica mais relaxado e nessa hora pode ser a oportunidade final de fugir. Essa é uma hipótese defendida em alguns artigos científicos", destaca Willian.
Fonte: G1
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